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25 de Abril de 2024
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    O relatório final da CPI da Covid-19 e os reflexos nas investigações em andamento contra Jair Bolsonaro

    Crimes atribuídos a Bolsonaro pela CPI já são objeto de denúncias à Câmara dos Deputados, à Procuradoria-Geral da República eà Procuradoria do Tribunal Penal Internacional

    Publicado por Leonardo Quintiliano
    há 2 anos

    O relatório final da CPI da Covid-19 aprovado nesta terça-feira, dia 26 de outubro de 2021, recomendou o indiciamento de duas pessoas jurídicas e de 78 pessoas físicas , entre as quais o presidente Jair Bolsonaro. Os indiciamentos se devem especialmente ao negacionismo e divulgação de notícias falsas em relação ao vírus e às vacinas, que teria aumentado o número de mortos no Brasil, às suspeitas de corrupção nas negociações para a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde e às mortes que teriam sido provocadas pelo uso de tratamentos sem respaldo científico contra a covid-19.

    O senador elencou 6 crimes que teriam sido cometidos por Bolsonaro, nomeadamente os epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime, à corrupção na compra de vacinas, falsidade ideológica, prevaricação e corrupção ativa. Além dos crimes previstos na legislação nacional, há a previsão de indiciamento por crime contra a humanidade (Tratado de Roma, Decreto nº 4.388, de 2002) e crimes de responsabilidade, como os previstos nos arts. , item 9 (violação de direito social) e 9º, item 7 (incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), todos da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950.

    Em quase sua totalidade, contudo, tais crimes já se encontram em investigação ou são objeto de denúncia. Os crimes comuns de epidemia e infração de medida sanitária preventiva foram objeto da notícia-crime encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (Pet 9695). A Procuradoria-Geral da República solicitou seu arquivamento, mas a ministra Rosa Weber entendeu que havia contradições no parecer e determinou sua reanálise. O processo ainda se encontra no aguardo de manifestação da Procuradoria-Geral da República.

    Também o crime de prevaricação se encontra na fase de inquérito instaurado pela Procuradoria-Geral da República (Pet 9.760) desde 2 de julho de 2021.

    Já os supostos crimes charlatanismo e incitação ao crime são objeto de notícia-crime encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (Pet 9975) e já enviada à Procuradoria-Geral da República pelo ministro Alexandre de Moraes em 11 de outubro de 2021, para manifestação. A Pet 9975 vai além e também sugere o cometimento de crime de homicídio qualificado e de lesão corporal grave por atos e omissões de Bolsonaro relativamente à condução da pandemia, quer à frente do governo federal, quer em seus ambientes privados, considerando a influência de suas falas.

    Quanto aos crimes de responsabilidade sugeridos no relatório prévio, já há 133 pedidos de impeachment protocolados contra Jair Bolsonaro, aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados, muitos dos quais pelos mesmos fundamentos.

    Os 133 pedidos de impeachment dependem do encaminhamento das denúncias a uma Comissão Especial a ser criada pela Câmara dos Deputados. Existem ações no Supremo Tribunal Federal que pedem a fixação de prazo ou o imediato encaminhamento das denúncias àquela Comissão (MS 38133 e MI 7362). As ações foram julgadas improcedentes pela ministra relatora Carmen Lucia e agora aguardam julgamento do recurso pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Não existe data definida. Caso o relatório da CPI aponte o cometimento de crime de responsabilidade pelo Presidente da República, o sistema jurídico brasileiro é tão desarmônico que mesmo uma conclusão proveniente de um órgão legislativo colegiado não pode dar ensejo à abertura de um processo de impeachment, uma vez que a Lei 1.079/50, que disciplina o processo por crime de responsabilidade, apenas faculta a formulação de denúncia por cidadão, não por agentes públicos ou instituições. Na prática, o relatório pode prever que qualquer cidadão possa utilizá-lo para oferecer a denúncia. Qualquer indicação nominal de cidadão no relatório com a incumbência de promover a denúncia não tem validade jurídica, pois ninguém pode ser compelido pela CPI a cumprir tal mister na qualidade de cidadão. O apontamento, contudo, cria mais pressão para que o presidente da Câmara dos Deputados deixe de represar os pedidos de impeachment relativos à condução da pandemia.

    O cometimento de crime contra a humanidade também foi objeto de seis representações contra Bolsonaro perante a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional, as quais aguardam manifestação do órgão. Em dezembro de 2020, a referida Procuradoria comunicou que estava fazendo uma análise preliminar de jurisdição, ou seja, pela primeira vez uma denúncia contra um presidente brasileiro não foi prontamente arquivada. O Estatuto de Roma, que disciplina a atuação no Tribunal Penal Internacional, prevê a competência privativa da Procuradoria para instauração de inquérito, de ofício, ou por provocação dos Estados-partes ou do Conselho de Segurança da ONU. Ocorre que uma das condições de admissibilidade é a inexistência de inquérito ou procedimento criminal prévio no Brasil, ou sua existência com demora excessiva e manifesta intenção de não proceder à investigação com a imparcialidade necessária.

    O relatório será enviado à Procuradoria do órgão, dando maior peso à análise, por sobrevir de órgão oficial do país. Há, contudo, um erro técnico no procedimento. É que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é residual, ou seja, depende de omissão clara do sistema judicial do país responsável pela apuração dos fatos. Como há as denúncias em curso perante a PGR, o Tribunal só apreciará as representações após esgotamento dessas instâncias nacionais, ou após manifesta demora. É verdade que a gravidade e emergência do problema já reclamariam uma investigação em estágio avançado. Ocorre que o próprio Ministério Público também se encontrava no aguardo da finalização da investigação conduzida pela CPI. Assim, somente depois de eventual arquivamento ou demora injustificada nas investigações a serem promovidas pelo Ministério Público Federal, é que a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional poderá agir. O relatório deveria ter condicionado eventual acionamento da Corte Internacional somente se e após arquivamento das investigações pelo Ministério Público Federal, a depender de suas conclusões, e não partir da conclusão, como consta no relatório, de “inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes.” (p. 1287). Assim, deve-se aguardar a tramitação das notícias-crimes encaminhadas à Procuradoria-Geral da República. Se arquivadas pelo órgão, poderão dar justificativa ao prosseguimento das denúncias perante a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional.

    Além das representações por crimes comuns e de responsabilidade, o relatório sugere a diversos órgãos de controle ações e investigações por improbidade administrativa, infrações administrativas e financeiras, danos materiais e morais coletivos, o que já é também objeto de investigação por parte desses órgãos, especialmente pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União.

    Nada obstante, o relatório traz inúmeras provas e documentos que certamente contribuirão para o andamento dessas ações e investigações em curso. Eventual inércia da Procuradoria-Geral da República poderá dar ensejo a ações de responsabilização do Procurador-Geral da República, a par da responsabilização do próprio presidente Jair Messias Bolsonaro perante o Tribunal Penal Internacional.

    • Sobre o autorO bom advogado busca resolver não seus problemas, mas o daqueles que defende.
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    1 Comentário

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    Muito bom texto. continuar lendo